Por Dinho Ouro Preto
Há anos, um produtor sugeriu que chamássemos um disco nosso de 'Das Kapital'. Discutimos muito e achamos que dar um nome em alemão, tirado de uma obra escrita por um pensador do século 19, seria mal recebido ou não compreendido pelos fãs. Acabamos escolhendo outro nome (muito pior), mas a ideia nunca saiu da minha cabeça. Passados alguns anos, eis que a oportunidade se apresentou mais uma vez --e desta vez não hesitamos.
Reunir o nome Capital Inicial com o título do mais importante livro de Marx e, ainda por cima, fazer as fotos da capa na Bolsa de Valores, nos pareceu uma piada irresistível. Uma coisa mais pra Groucho do que pra Karl... Mas, embora o humor tenha servido de inspiração, a combinação entre o título, nosso nome e a foto, serve também de pretexto para uma pequena discussão sobre valores. O Marxismo, para leigos como eu, parece hermético. Mas, simplificando o que não pode nem deve ser simplificado, é algo assim:
A luta de classes é o resumo da História. O trabalho é explorado pelo capital. O capital deve ser substituído pelo Estado. O Estado permite que um só partido represente o trabalho. O coletivo supera o pessoal. Todo valor individual é inferior aos interesses do partido, e a ditadura do proletariado é o caminho da redenção. Os meios de produção e a propriedade privada seriam abolidos e passariam às mãos do Estado. Assim pensava Marx no século 19.
Curto e grosso: o nêmesis do capitalismo. Posteriormente, as ideias dele foram complementadas por outros pensadores como Engels e Lenin. É claro que essa é uma versão para crianças, a obra do Marx, ainda hoje motivo de discussões, é muitíssimo mais complexa. Mas o fato é que o mundo mudou muito. No século 21, as coisas tomaram outro rumo, um rumo impossível de ser previsto há mais de cem anos. Mas esse não é o assunto em pauta, não tenho a erudição necessária para discutir Marx, eu reconheço, nossa intenção não era debater Marxismo. Acho, aliás, que a maioria das pessoas que falam em seu nome também não têm, mas esse pode ser tema pra outro texto...
A capa foi muito mais uma brincadeira com um assunto sério. Mas o fato é que quando nos debruçamos sobre a arte final da capa, começamos a pensar no que colocaríamos no painel digital das cotações atrás de nós. Aliás, vale dizer que tivemos que montar o resultado final com ajuda do computador, já que a Bolsa não nos deixou fotografar lá dentro. Talvez tenham achado que fôssemos marxistas...
Começamos, então, a nos divertir com possíveis cotações para "ações" imaginárias. Pensamos em valores como liberdade religiosa, liberdade de imprensa, liberdade de costumes, sustentabilidade, boa governança, felicidade, esperança, confiança, sexo, diversão... e por aí foi! Até o rock entrou na conversa das cotações. Claro, foi uma viajada boa, mas o fato é que começou uma conversa sobre valores --não se esqueçam onde estamos na capa: a própria Bolsa de Valores.
Valorizar a liberdade não é nenhuma novidade --gregos, romanos, ingleses, franceses e americanos, para citar só alguns, escreveram a respeito, fizeram revoluções em seu nome e reafirmaram sua importância em suas Constituições. Aliás, ela é regulamentada também na nossa Constituição. Mas, hoje, parece que o conceito tem outras implicações. Nunca houve uma era com tamanha quantidade de informação, onde o acesso a ela fosse tão imprescindível quanto oxigênio.
Crianças aprendem a usar a internet aos cinco anos. ONGs representam todos os possíveis grupos de protesto, proteção ou afirmação que alguém puder imaginar. Qualquer minoria ou grupo que se sinta marginalizado consegue se fazer ouvir, ouvimos uma cacofonia de valores muitas vezes conflitantes. Essa, talvez, seja a definição da nossa era: o acesso de todos a um megafone. O motor disso tudo é a liberdade, mas a liberdade em si parece ser um meio e não um fim: é um meio para manifestar, proteger, lutar pelos direitos e valores de cada um.
Nessa confusão de vozes ninguém está certo ou errado, cada um defende o seu. No entanto, o que fica claro é que somos todos muito diferentes e ninguém quer, contra sua vontade, submeter-se aos valores de ninguém. E, lentamente, parece que estamos entendendo que a era das verdades absolutas terminou, para o horror de muitos --entre eles a extrema direita, a extrema esquerda, a Igreja e muitos outros.
Todos estão aprendendo que serão obrigados a conviver com pessoas muito diferentes. Todo dogma é contestado, toda convicção é posta em dúvida, toda causa tem prós e contras, todos os valores tem seguidores e detratores. Enfim, se fosse possível medir a variação de apoio e protesto a essas ideologias, ideias ou emoções do mundo atual, poderíamos criar uma Bolsa imaginária, a BNV - Bolsa de Novos Valores. Com vocês, "Das Kapital"