segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Bienal age de modo cínico e intolerante ao lavar as mãos


Acusar a grafiteira Carolina da Mota, presa há 52 dias, de "danificar patrimônio tombado" é estratégia hedionda


Matéria de Paulo Herkenhoff, originalmente publicada na Folha de São Paulo, 15 de dezembro de 2008

Minha opinião ou a de qualquer outra pessoa sobre o grafite não tem a menor importância no caso da Carolina Pivetta da Mota na Bienal de São Paulo. Não se trata de condenar ou aplaudir a ação de grafitagem. Eu vi, em 1972, os seguranças do MAM carioca ajudarem Antonio Manuel a fugir da polícia que o perseguia porque havia se apresentado nu no Salão Nacional de Arte Moderna. O MAM do Rio não mandou prender Raimundo Colares quando quebrou vidros do prédio em manifestação durante a ditadura militar.

A Bienal quer que o Brasil sinta saudades da ditadura? A mesma Bienal que entrega a grafiteira à polícia foi a que proscreveu Cildo Meireles em 2006 por ter protestado contra a reeleição de Edemar Cid Ferreira para seu conselho.

O paradoxo é que Edemar não providenciou a prisão da garota que beijou com batom uma tela de Andy Warhol na Bienal de 1996, fato muito mais grave do que grafitar paredes nuas.

A Bienal, seu presidente, conselheiros e curadores que continuarem a se omitir precisam aprender algo com Edemar: na Bienal, a repressão não é um fim em si. Confesso que, quando soube da grafitagem, pensei que fosse um gesto autorizado numa Bienal que ia criar uma praça de convivência e estimulava a participação da cultura pop jovem. Era estratégia de marketing ou efetiva proposta de política cultural?

No entanto, tudo é obscurantista na posição da Bienal desde o dia da grafitagem. Posso até entender as reações de primeira hora mais agressivas por agentes culturais e políticos da Bienal, mas temos de admitir ser uma estratégia hedionda acusar a grafiteira de "danificar" o patrimônio tombado, já que as feiras, as festas de casamento e a própria Bienal furam e escrevem nas paredes, pintam e bordam com o prédio sem autorização do Iphan.

Se a grafiteira fosse um nome do mercado de arte não teria sido presa ou já estaria solta. O ato de Carolina Pivetta da Mota é rigorosamente igual a tudo o que ocorre no prédio da Bienal. Depois é só repintar, como aconteceu. Tudo se refaz porque o prédio da Bienal está à disposição da expressão. Sua estrutura original de feira industrial tinha que ser necessariamente versátil para atender a todo tipo de tranco físico. Por isso o acabamento sem adornos e luxo do Pavilhão do Ibirapuera. É só cimento, tijolo e cal.

Carolina também não interveio na obra de ninguém. Ela não é uma Tony Shafrazi, que grafitou a "Guernica" de Picasso. Se tivesse praticado um ato anti-social realmente grave, Carolina já poderia ter sido condenada a alguma prática comunitária na própria Bienal. Neste caso, não se estaria "domesticando" uma consciência crítica, mas dando-lhe a oportunidade de entender melhor o processo de uma Bienal. O que Carolina está contribuindo socialmente agora é a introduzir um debate na pasmaceira institucional.

Se tivesse causado um dano real à superfície das paredes, teria sido ínfimo. Dirigi um museu do Iphan onde uma ex-diretora causou danos em esculturas ao instalá-las ao ar livre, onde tomavam chuva ácida. O Iphan e o Ministério Público não pediram sua prisão quando se verificaram danos irreparáveis à pátina na escultura "A Faceira de Bernardelli".

No caso do grafite na Bienal, não ficaram seqüelas. Fui curador da 24ª Bienal de São Paulo, e minha monografia final no mestrado em direito pela Universidade de Nova York foi na área de direito constitucional. Nessa dupla condição, afirmo que o que vejo aqui é uma posição odienta da Bienal transferindo a responsabilidade por essa situação kafkiana para os órgãos do Estado como responsáveis por este processo.

Carolina não danificou nenhuma obra de arte. Por acaso, Oscar Niemeyer veio a público protestar contra a grafitagem como um "ataque" danoso ao pavilhão do qual é autor, como sempre fez quando degradam um projeto de sua autoria?

A Fundação Bienal primeiro agiu de modo intolerante e agora de modo cínico ao lavar as mãos.

Parece que estar em "vivo contato", proposta desta Bienal, está sendo entendido como exercício de ira ou crueldade que, afinal, estão entre as pulsões de morte da espécie humana. Ou é só vingança?

Afinal, alguém tem que pagar...

Mesmo que seja uma mulher, baixinha, gordinha que não conseguiu escapar da ineficiente vigilância da instituição como os outros 30 galalaus. Sua prisão serviu para salvar a honra dos vigilantes e o contrato da empresa com a Bienal... Parabéns a Carolina por não ter pensado na delação premiada para se safar da encrenca, mesmo depois de 52 dias sem um habeas corpus. Carolina Pivetta da Mota passou o dia de comemoração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos numa cadeia em São Paulo. Isso não denigre a Bienal, nem São Paulo, nem o Brasil. Isso denigre a humanidade.

Se o vazio fosse de fato o espaço aberto para discutir a instituição, essa extraordinária grafitagem teria sido incorporada ao projeto ético e político da 28ª Bienal. A grafitagem já é um dos fatores mais marcantes desta edição.

Com mais repressão, deixará de ser um problema de excessivo rigor penitenciário para se tornar uma questão para estudos éticos curatoriais e debates estéticos.

Se a Fundação Bienal de São Paulo não se cuidar, a conclusão a que se poderá chegar é a de que o principal problema da Bienal é a 28ª Bienal e a estrutura política que a sustentou.

Peço desculpas a Carolina por não ter protestado, em minha recente palestra na Bienal, em sua defesa e contra esse estado brutal de condução da vida institucional. Eu pensava que já estivesse solta. Quem salva o Brasil e a Bienal não é cadeia, é Mário Pedrosa ao dizer que a arte é o exercício experimental da liberdade. E dirigir a Fundação Bienal de São Paulo ou fazer curadoria não pode perder isto de vista.

Paulo Herkenhoff é curador e crítico de arte. Dirigiu o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, e foi curador do MoMA em Nova York e da 24ª Bienal de São Paulo, em 1998

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Estas sinistras festas de Natal

Por Gabriel García Márquez*

Ninguém mais se lembra de Deus no Natal. Há tanto barulho de cornetas e de fogos de artifício, tantas grinaldas de fogos coloridos, tantos inocentes perus degolados e tantas angústias de dinheiro para se ficar bem acima dos recursos reais de que dispomos que a gente se pergunta se sobra algum tempo para alguém se dar conta de que uma bagunça dessas é para celebrar o aniversário de um menino que nasceu há 2 mil anos em uma manjedoura miserável, a pouca distância de onde havia nascido, uns mil anos antes, o rei Davi.

Cerca de 954 milhões de cristãos — quase 1 bilhão deles, portanto — acreditam que esse menino era Deus encarnado, mas muitos o celebram como se na verdade não acreditassem nisso. Celebram, além disso, muitos milhões que nunca acreditaram, mas que gostam de festas e muitos outros que estariam dispostos a virar o mundo de ponta cabeça para que ninguém continuasse acreditando. Seria interessante averiguar quantos deles acreditam também no fundo de sua alma que o Natal de agora é uma festa abominável e não se atrevem a dizê-lo por um preconceito que já não é religioso, mas social.

O mais grave de tudo é o desastre cultural que estas festas de Natal pervertidas estão causando na América Latina. Antes, quando tínhamos apenas costumes herdados da Espanha, os presépios domésticos eram prodígios de imaginação familiar. O menino Jesus era maior que o boi, as casinhas nas colinas eram maiores que a Virgem e ninguém se fixava em anacronismos: a paisagem de Belém era complementada com um trenzinho de arame, com um pato de pelúcia maior que um leão que nadava no espelho da sala ou com um guarda de trânsito que dirigia um rebanho de cordeiros em uma esquina de Jerusalém.

Por cima de tudo, se colocava uma estrela de papel dourado com uma lâmpada no centro e um raio de seda amarela que deveria indicar aos Reis Magos o caminho da salvação. O resultado era na realidade feio, mas se parecia conosco e claro que era melhor que tantos quadros primitivos mal copiados do alfandegário Rousseau.

A mistificação começou com o costume de que os brinquedos não fossem trazidos pelos Reis Magos — como acontece na Espanha, com toda razão —, mas pelo menino Jesus. As crianças dormíamos mais cedo para que os brinquedos nos chegassem logo e éramos felizes ouvindo as mentiras poéticas dos adultos.

No entanto, eu não tinha mais do que cinco anos quando alguém na minha casa decidiu que já era hora de me revelar a verdade. Foi uma desilusão não apenas porque eu acreditava de verdade que era o menino Jesus que trazia os brinquedos, mas também porque teria gostado de continuar acreditando. Além disso, por uma pura lógica de adulto, eu pensei então que os outros mistérios católicos eram inventados pelos pais para entreter aos filhos e fiquei no limbo.

Naquele dia — como diziam os professores jesuítas na escola primária —, eu perdi a inocência, pois descobri que as crianças tampouco eram trazidas pelas cegonhas desde Paris, que é algo que eu ainda gostaria de continuar acreditando para pensar mais no amor e menos na pílula.

Tudo isso mudou nos últimos 30 anos, mediante uma operação comercial de proporções mundiais que é, ao mesmo tempo, uma devastadora agressão cultural. O menino Jesus foi destronado pela Santa Claus dos gringos e dos ingleses, que é o mesmo Papai Noel dos franceses e aos que conhecemos de mais. Chegou-nos com o trenó levado por um alce e o saco carregado de brinquedos sob uma fantástica tempestade de neve.

Na verdade, este usurpador com nariz de cervejeiro é simplesmente o bom São Nicolau, um santo de quem eu gosto muito e porque é do meu avô o coronel, mas que não tem nada a ver com o Natal e menos ainda com a véspera de Natal tropical da América Latina.

Segundo a lenda nórdica, São Nicolau reconstruiu e reviveu a vários estudantes que haviam sido esquartejados por um urso na neve e por isso era proclamado o patrono das crianças. Mas sua festa é celebrada em 6 de dezembro, e não no dia 25. A lenda se tornou institucional nas províncias germânicas do Norte no final do século 18, junto à árvore dos brinquedos e a pouco mais de cem anos chegou à Grã-Bretanha e à França.

Em seguida, chegou aos Estados Unidos, e estes mandaram a lenda para a América Latina, com toda uma cultura de contrabando: a neve artificial, as velas coloridas, o peru recheado e estes 15 dias de consumismo frenético a que muito poucos nos atrevemos a escapar.

No entanto, talvez o mais sinistro destes Natais de consumo seja a estética miserável que trouxeram com elas: esses cartões postais indigentes, essas cordinhas de luzes coloridas, esses sinos de vidro, essas coroas de flores penduradas nas portas, essas músicas de idiotas que são traduções malfeitas do inglês e tantas outras gloriosas asneiras para as quais nem sequer valia a pena ter sido inventada a eletricidade.

Tudo isso em torno da festa mais espantosa do ano. Uma noite infernal em que as crianças não podem dormir com a casa cheia de bêbados que erram de porta buscando onde desaguar ou perseguindo a esposa de outro que acidentalmente teve a sorte de ficar dormido na sala.

Mentira: não é uma noite de paz e amor, mas o contrário. É a ocasião solene das pessoas de quem não gostamos. A oportunidade providencial de sair finalmente dos compromissos adiados porque indesejáveis: o convite ao pobre cego que ninguém convida, à prima Isabel que ficou viúva há 15 anos, à avó paralítica que ninguém se atreve a exibir.

É a alegria por decreto, o carinho por piedade, o momento de dar presente porque nos dão presentes e de chorar em público sem dar explicações. É a hora feliz de que os convidados bebam tudo o que sobrou do Natal anterior: o creme de menta, o licor de chocolate, o vinho passado.

Não é raro, como aconteceu freqüentemente, que a festa acabe a tiros. Nem tampouco é raro que as crianças — vendo tantas coisas atrozes — terminem acreditando de verdade que o menino Jesus não nasceu em Belém, mas nos Estados Unidos.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Artesã que pichou a Bienal de Arte de São Paulo continua presa


Há 40 dias Caroline Pivetta da Mota, de 23 anos, foi trancada numa cela na Penitenciária Feminina de Sant'Ana, em São Paulo, "lar" de presas perigosas. Antes ela passou três dias numa delegacia. Seu crime? Ter invadido o prédio da tradicional Bienal de Arte paulistana, no dia da sua inauguração, junto com outras 40 pessoas, para fazer pichações - ou, nas palavras delas, "intervenções"- num espaço deixado propositalmente vazio pela curadoria.

A ação foi liderada por Rafael Guedes, o Pixobomb, que procurou a mídia para "assumir a autoria". Ele foi responsável por recentes pichações na Faculdade de Belas Artes da USP e na galeria paulista Choque Cultural. Caroline, que afirmou ter ido apenas "assistir" às pichações, acabou entrando na onda.

Há uma certa pressão dos organizadores da Bienal para mantê-la presa. Eles classificaram o ato como crime e invasão, e não foi isso. Os próprios curadores disseram em entrevistas que gostariam que as pessoas interagissem com o vazio. E foi o que o grupo fez. Há uma discussão, inclusive nos autos do processo, sobre se pichação é arte ou crime. Para muitos jovens, a única maneira de se manifestar é com uma lata de tinta na mão - diz a advogada de defesa dela, Cristiane Souza de Carvalho.


A advogada contou que Caroline trabalha como artesã, vendendo bijuterias e camisetas estilizadas, e abandonou a escola no segundo ano do ensino médio por falta de dinheiro.

O tipo de grafismo feito pelos pichadores inspirou os artistas Eli Sudbrack e Christophe Pierson, do coletivo Assume Vivid Astro Focus, a criar uma instalação na qual lâmpadas coloridas de néon cobrem as paredes como traços de tinta spray. A obra pode ser vista na Casa Triângulo, em São Paulo. A dupla de artistas participou da Bienal com uma série de ações de encerramento.

leia o Manifesto pela imediata libertação de Caroline

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Morre Bolinha, primeiro dirigente da CUT na região


Faleceu neste domingo, dia 7, às 18h30, em Sorocaba, Wilson Fernando da Silva, o Bolinha, que presidiu o Sindicato dos Metalúrgicos da Região nos anos 80 e levou a categoria a ser uma das primeiras do país a se filiar à então recém-fundada CUT.

Bolinha tinha 57 anos de idade e há um ano lutava contra um câncer. Ele deixa esposa, Lucilia, três filhos Daniela (34), Francis (33), Camila (30) e três netos.

Amigo do presidente Lula desde a década de 60 e militante sindical metalúrgico do ABC nos anos 70, Bolinha mudou-se para Sorocaba em 1981. Logo empregou-se em uma metalúrgica local e, em 1983, disputou as eleições do sindicato e derrotou a diretoria de então, considerada atrelada ao empresariado e simpática ao regime militar.

Mesmo em Sorocaba, Bolinha não perdeu contato com Lula, pois, além do companheirismo entre eles desde a época das históricas lutas sindicais do ABC, as famílias de ambos desenvolveram laços de amizade.

Ao longo de sua trajetória, Bolinha também conquistou a admiração e o respeito de outras lideranças de projeção do PT, como o senador Aloísio Mercadante e os deputados federais Vicentinho e Arlindo Chinaglia, entre outros. É esperada a presença de algumas dessas lideranças no velório do sindicalista de Sorocaba.

Bolinha está sendo velado na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, na rua Júlio Hanser, 140, perto da rodoviária de Sorocaba. O sepultamento será nesta segunda-feira, dia 8, às 16h, no cemitério Pax, em Sorocaba.

Bolinha foi eleito presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região por duas gestões: 1983/86 e 1986/89. Ele deixou a diretoria em 1989, mas retornou em 1992, quando foi eleito membro da executiva. Em 1998 ele deixou definitivamente a direção sindical.

Bolinha estava aposentado, mas lideranças políticas e sindicais, da CUT, do PT e de movimentos sociais da região de Sorocaba nunca deixaram de procurar os conselhos e orientações do pioneiro e carismático líder.

“Bolinha dava um conselho aos novos dirigentes que considero a síntese da personalidade dele mesmo. Ele dizia que ao bom militante não devem faltar duas virtudes: a capacidade de indignar-se diante das injustiças e a consciência de que é necessário ser um eterno aprendiz” - Carlos Roberto de Gáspari, que presidiu o sindicato de 1992 a 1995 e de 1995 a 1998.

“Bolinha era nossa principal referência política. Ele construiu o alicerce dos movimentos sindical e social na região. Uma pessoa inteligente, decidida, idealista, convicta ... mas extremamente generosa e sensível. Um exemplo de líder e de ser humano para todos os que conviveram com ele” — Izídio de Brito Correia, presidente do Sindicato desde 1998

“Bolinha não veio ao mundo para ser coadjuvante. Ele veio para ser protagonista. Em tudo o que ele participava, era líder. Era de uma inteligência incomum, de uma garra contagiante e, ainda, extremamente simpático. Conquistava a todos que conviviam com ele” – Hamilton Pereira, deputado estadual (PT-SP) e ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba e Região.

fonte: site do deputado Estadual Hamilton Pereira