quarta-feira, 9 de julho de 2008

Por que comemoramos o nove de Julho (o dia do café-com-leite)

Primeiramente é preciso esclarecer que o termo revolução e usado indevidamente quando se refere a 1932, está sendo usado indevidamente em todas as acepções do termo.

No sentido iluminista (progresso) que é também adotado pelo marxismo (progresso e transformação social) o uso é indevido, pois a "revolução de 32" não representa qualquer tipo de avanço, modernização, nem uma simples inovação, pelo contrário, a “revolução de 32” representa o último suspiro, a agonia de um modo arcaico de fazer política, a política dos coronéis, do café-com-leite, uma política que coadunou tudo o que existia de mais pernicioso no Império brasileiro e que transbordou para o século XX.
A revolta dos paulistas foi promovida contra o governo provisório (1930-1934) de Getúlio Vargas. Apesar de São Paulo ter sido derrotado pelas forças de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, no tratado de paz, em troca da lealdade paulista o governo federal assumiu as dividas internacionais de São Paulo e se comprometeu a realizar uma constituição. Mas os paulistas apesar de derrotados militarmente se consideram vitoriosos, por que conseguiram manter seus privilégios oligárquicos e por isso comemoramos o feriado de Nove de Julho. Além disso, São Paulo perdeu sua hegemonia e a política de valorização do café e, mesmo com a constituição de 1934, Getulio foi eleito presidente e se manteve no poder de 1934 até 1945.
O governo de Getulio Vargas, esquecendo por um momento que ele assumiu por meio de um golpe militar, autoritário, foi a retomada de um projeto nacional que havia sido abandonado em favor dos projetos individuais das oligarquias locais, com o fim do Império. Todos os golpes devem ser execrados, a ditadura Vargas foi em vários momentos muito mais dura que a de 1964 e foi o único período desde o Império que o congresso foi fechado completamente. Mas, ainda assim, a “revolução” de 1932 representa um grande retrocesso.
Sendo assim qual o motivo dessa comemoração?
A elite paulista atualmente impôs esta comemoração como se ela fosse a luta contra o autoritarismo e como se hoje ela representasse a luta por mais democracia. É mentira! o que acontece é que a hegemonia paulista reconquistada após o processo de industrialização esta sendo contestada novamente, São Paulo esta tendo sua hegemonia econômica, política e cultural desafiada.
Vejamos a vitoria de lula, foi antes de tudo uma derrota para a elite paulista. Ainda que aceitemos que foi uma vitória das classes menos favorecidas, os trabalhadores, isso não explica completamente o fenômeno Lula. Principalmente porque no norte, no nordeste e em Minas Gerais, Lula foi aclamado pelos pobres, mas também foi por uma parcela da elite, em São Paulo e nos estados do Sul isso não aconteceu, aqui o eleitor de Lula é marcadamente o pobre, o excluído e o trabalhador. Por traz dessa aparente contradição pode estar a resposta para um conflito silencioso – São Paulo estaria mesmo perdendo a sua hegemonia, isso começou com a perda de industrias a partir da década de 80 e fica mais claro com a vitoria do lula. Essa vitória além de ser o desenrolar de um conflito de classes é também o resultado de um conflito entre as elites, representa uma derrota política para São Paulo. O projeto paulistanista afundou com a nau de FHC, nao é a toa que ele é um heroi para a elite paulista. E não é a toa que Lula procure se aproximar da imagem de Getúlio.
A até agora chamada burguesia nacional, é na verdade a burguesia do sul-sudeste, esta burguesia é majoritariamente paulista e o PSDB e as Organizações Globo também o são. Brizola estava certo quando dizia que ”a Globo detesta[va] o Rio de Janeiro”, os jornais de São Paulo e até mesmo o Jornal O Globo (do Rio) fazem campanha aberta contra o Rio de Janeiro – deixam bem claro que o modelo a ser seguido é São Paulo.
O feriado de nove de Julho é muito recente e este é um indício de que o problema da identidade paulista é atual. A escolha de datas comemorativas, assim como o conteúdo das cartilhas didáticas sobre história, as nomeações de ruas, são todos elementos da construção de uma memória, de uma identidade.
Getulio Vargas é ainda hoje, adorado no Rio de Janeiro e em Minas Gerais e detestado em São Paulo. No Rio, o museu republicano é o Palácio do Catete na Rua Toneleiros (onde viveu Getúlio). Em São Paulo o museu republicano fica em Itu, na sede do antigo Partido Republicano Paulista (PRP), onde se organizavam os líderes da revolta de 32. Essa diferença mostra a maneira como a história oficial dos dois estados é tratada. No Palácio do Catete existia até o ano passado quando o visitei, uma sala dedicada as primeiras damas e dois vestidos de gala estavam expostos lado a lado, em evidência, um de dona Darcy Vargas e outro de dona Marisa Letícia, esposa de Lula. no museu republicano paulista isso seria impossível.
Por último, lembro que o meu pai é mineiro e vive em São Paulo há 26 anos, até hoje ele não consegue entender o porquê dos paulistas comemorem o Nove de Julho, sendo que São Paulo perdeu a batalha de 1932.

Nenhum comentário: