quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Pito de Dona Canô dói mais que casa de show vazia

Quando Caetano Veloso chamou Lula de analfabeto e grosseiro ao compará-lo com a senadora Marina Silva, fiquei incomodado. Não pela segunda parte, é direito dele achar que uma pessoa é polida ou não. Não por ser o presidente o alvo da metralhadora verbal de Caetano. Mas fico me perguntando uma coisa: por que, com tanto adjetivo para repudiar a atuação do presidente, ele foi escolher logo aquele repleto de preconceito e arrogância, usado diariamente por pessoas que se acham acima de outras para colocá-las em seu devido lugar na sociedade? Ele é a melhor expressão do preconceito lingüístico, do certo dos ricos e dos grandes centros contra o errado dos pobres e dos regionalismos. É a norma hegemônica sobre o conteúdo, encobrindo que há tanta gente que fala bonito e não diz absolutamente nada.

Fui ao show de Caetano no último dia 8 em São Paulo. A casa não estava cheia, longe disso, o que obrigou à produção do espetáculo mover para frente quem havia comprado ingresso para mesas mais ao fundo. Óbvio que isso não foi uma reação a nenhuma declaração, mas muita gente como eu não gostou do novo álbum dele, daí a casa a meia carga. A minha esperança eram músicas das antigas, que vieram poucas. Ao final do show, ele fez uma espécie de mea culpa: criticou a mídia por não ter dado tanta atenção a Neguinho do Samba quanto a Claude Lévi-Strauss, apesar de ambos terem morrido na mesma semana. Disse que Neguinho não deu aula na Sorbonne, provavelmente era analfabeto, mas foi uma das grandes influências de sua vida. Impossível, para quem estava lá, não fazer a analogia entre o “analfabeto” e o “professor da Sorbonne”.

Após a polêmica gerada, Caetano chamou a mídia de sensacionalista, artigos foram escritos e por aí vai. Achei que não valeria a pena o registro e deixei para lá.

Mas aí veio Dona Canô, do alto de 102 anos de sabedoria e lucidez. Em declarações à imprensa, a mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia, disse que ligaria para Lula para pedir desculpas pela declaração do filho.

“Não vou dizer nada em especial, apenas o que vier do coração. Vou me desculpar e dizer que, pelo que conheço de Caetano, sei que ele não quis ofender o presidente. Não é possível que ele chamasse Lula de analfabeto, aliás, ele nem teria o direito de falar assim. Ele é apenas um cantor”, afirmou à matriarca à repórter do Uol. “Tudo o que Caetano diz vira notícia, ele precisa entender isso. Não pode sair por aí falando o que quer, ele não é doido.”

Caetano correu a ligar para a mãe explicando que não quis dizer aquilo.

“Ele é apenas uma cantor.” Desgosto de Dona Canô deve ser mais doído que casa de show vazia.


Leonardo Sakamoto

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