Em 1927 Graciliano Ramos foi eleito prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, em Alagoas, cargo ao qual renunciou em 1930. Nos dois anos de mandato, enviou dois relatórios de prestação de contas ao governador do Estado.
Os relatórios chegaram as mãos de Augusto Frederico Schmidt, que identificou neles o talento do escritor. Foi atrás de Graciliano Ramos e perguntou se não teria um original guardado. Recebeu Caetés, que foi publicado um ano depois, dando início à carreira de um dos maiores ficcionistas brasileiros.
Recentemente, os “relatórios” de Graciliano Ramos foram publicados, em edição de bolso, pela revista Entre Livros, com prefácio de Ricardo Filho, neto do velho Graça.
O texto é delicioso, sendo impossível conceber que algo do tipo pudesse ser encontrado nos meandros da burocracia pública nos dias de hoje. Por exemplo, ao discorrer sobre os gastos com energia elétrica:
“A iluminação da cidade me custou 8:921$800. Se é muito, a culpa não é minha: é de quem fez o contrato com a empresa fornecedora de luz.”
A respeito dos gastos com telegramas:
“Relativamente à quantia orçada, os telegramas custaram pouco. De ordinário vai para eles dinheiro considerável. Não há vereda aberta pelos matutos, forçados pelos inspetores, que prefeitura do interior não ponha no arame, proclamando que a coisa foi feita por ela; comunicam-se as datas históricas ao Governo do Estado, que não precisa disso; todos os acontecimentos políticos são badalados. Porque se derrubou a Bastilha – um telegrama; porque se deitou uma pedra na rua – um telegrama; porque o deputado F. esticou a canela – um telegrama. Dispêndio inútil. Toda a gente sabe que isto por aqui vai bem, que o deputado morreu, que nós choramos e quem em 1559 D. Pero Sardinha foi comido pelos caetés.”
E por conclusão:
“Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.
Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.
Não me fizeram falta.
Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos.”
Como já disse, um texto para ser degustado. Como todos os outros dele.
Ainda hoje me perguntou como as professores do ginásio conseguiam fazer Graciliano parecer chato. É uma proeza.
Em tempo: a fotografia acima é do arquivo do DOPS. Do DOPS do Estado Novo, que este é um país de ditaduras mil.
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Um comentário:
Pergunto-me o mesmo!
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