quarta-feira, 29 de abril de 2009

Daniel Dantas e Vale do Rio Doce estão se apropriando do subsolo do Pará

Aos que não entendem o interesse de Daniel Dantas em fazendas do Pará, cabe explicar que o objetivo dele não é criar gado. Por trás da fachada agropecuária, Dantas e a Vale do Rio Doce estão em processo de reconcentração fundiária, com o objetivo de investir em mineração, afirma o coordenador do MST no Pará, Charles Trocate, de 32 anos.

Em entrevista por telefone a Paulo Henrique Amorim, o coordenador afirmou também que a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), dá impressão de defender criadores de gado mas, na verdade, faz a defesa de Dantas e sua empresa de mineração, a MG4 (*).

“A reconcentração de terras tornará inevitável um mutirão de ocupação porque a sociedade está pronta para enfrentar esse modelo concentrador”, disse Charles Trocate, que mora no assentamento Palmares, perto da Serra dos Carajás.

O MST chama a atenção para o fato de o Sul e o Sudeste do Pará constituírem uma grande região mineradora. Nos últimos cinco anos, Daniel Dantas comprou 52 fazendas em oito municípios, num total de 800.000 hectares. Entre elas, encontram-se as fazendas Maria Bonita, Espírito Santo e Cedro, ocupadas pelos sem-terra, que são áreas públicas, compradas de forma ilegal.
Há poucos dias, um conflito entre seguranças e milicianos armados a serviço de Dantas na fazenda Santa Bárbara foi testemunhado por um cinegrafista da Globo, que viajou em avião de Dantas e desmentiu a própria Globo.

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Rogério Sganzerla - o abismo da marginália cinematográfica


No final dos anos 40 e durante os anos 50 bem no período pós guerra a Itália se reconstruía social e culturalmente com o neo realismo de Rossellini e Vittorio de sica, com filmes que usavam como cenário a própria realidade, assim como atores amadores e pessoas do povo. E com inspiração nessa estética e nesses preceitos alguns cineastas como Nelson pereira do santos, Glauber rocha, rui guerra, Carlos Diegues, entre outros, na década de 60, começam a tomar essas idéias e colocá-las em pratica com o velho bordão do Glauber Rocha “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão” começa ai saga do cinema novo no Brasil, com obras como “os fuzis” de Rui Guerra que é seu marco inicial assim como “deus e o diabo na terra do sol “ de Glauber rocha , um cinema de esquerda, contestatório, adaptado a realidade brasileira, mas mesmo assim ainda cheio de ranços e de cineastas que com o passar dos anos viraram, a casaca os ideais e suas raízes.

No final dos anos 60 alguns diretores que até então tinham simpatia ou saíram direto do berço do cinema novo, começaram a contestar a lei estética vigente, tendo como pais espirituais Ozualdo Candeias com seu grande filme “ a margem” de 1967 e o agressivo José Mojica Marins com o genial “a meia noite levarei sua alma”. Diferentes do cinema novo com uma estética seminal e agressiva, beirando o surreal, um cinema cru, filosoficamente muito distante do ufanismo intelectual engajado dos cinemanovistas, nascia ai a base do cinema marginal.

a boca do lixo, no centro velho de são Paulo o quadrilátero delimitado pela Duque de Caxias, Timbiras, São João e Protestantes (região da Santa Ifigênia e praça da republica) foi o berço do cinema marginal que foi pejorativamente chamado de Udigrudi por Glauber Rocha uma corruptela abrasileirada de UNDERGROUND, a boca que contava com a maior concentração por metro quadrado de prostitutas e bandidos e escroques de todos os tipos, devido a estação de trem ali próxima e onde vieram parar um sem numero de produtoras de filmes, que viabilizou vários diretores iniciantes a começarem suas obras nesse espaço maldito, regado a sexo e malandragem.

E dessa mesma boca saem vários diretores que viriam a formar a nova estética, rompendo com o cinema novo, trazendo um cinema irônico, urbano, e libertário sintonizado com a contracultura e as vezes pagando caro por isso, com obras com dificuldade de serem exibidas, de prejuízos e até mesmo impossibilidade de apresentação de trabalhos prontos por muitos anos, seja pela censura ou não fazer parte de um establishment imposto pelos distribuidores e por puro boicote da censura oficial assim como de certas pessoas descontentes.

É dessa realidade que vem uma leva de novos cineastas como Carlos Reichenbach, Andrea Tonacci e logicamente Rogério Sganzerla.

Sganzerla é um cineasta sui generis, dono de uma estética forte com influencias de vários cineastas como Samuel fuller , Godard e Orson Welles, em sua obra inicial “O bandido Da Luz Vermelha” de 1968, ele tem uma relação de amor e ódio ao cinema novo, a quebra da estética formal de narrativa para fazer um filme urbano, mas imerso na cultura nacional, outsider por definição, a primeira frase que se ouve do bandido no filme “quem sou eu” complementada depois por “...quando a gente não pode fazer nada a a gente avacalha, avacalha e se esculhamba” reflete essa idéia de estar fora de uma posição definida dentro de um conceito pré concebido, uma pergunta existencialista que permeia toda obra desse cineasta que sempre esteve contra a maré mas se mantendo sempre fiel a seus ideais estéticos e filosóficos.

Eu acho que o cinema é uma atividade produtiva: manter a língua, a imagem do nosso país” diria sganzerla pouco antes de falecer em 2004, e ele fez isso com maestria no bandido. Usando a linguagem coloquial espontânea dos personagens que surgem desse submundo das entranhas de são Paulo dos anos 60 as frases que marcam o filme são afirmações metafóricas sobre a realidade social e política brasileira a beira do recrudescimento da censura “... o terceiro mundo vai explodir e quem tiver de sapato não sobra” é repetido a exaustão, o mosaico que o bandido forma com, políticos coronelistas , pela força repressiva policial, pela fauna que circula pela metrópole suja, fazem parte desse microcosmo social brasileiro sem muita perspectiva, que é agravada pela imprensa sensacionalista marcada pela narração renitente, que se desenvolve durante o filme, uma relação anárquica com os valores instituídos, dando destaque a marginalia e a vida no fio da navalha.

Sganzerla continua a saga dos desvalidos e amorais em “ a mulher de todos” filme, que ele depois de inteiro editado teve de recorrer a restos de cenas pra conseguir que o filme atingisse o tempo necessário de um longa metragem. O filme tem sua mulher Helena Ignez no papel principal de Ângela carne e osso a inimiga numero um dos homens, sganzerla vai fundo na sátira aos valores burgueses e vazios da sociedade em plena decadência, com suas relações efêmeras e o vazio atrás das mascaras sociais.

Já em 1970 ele vai para o rio onde com Julio Bressane formam a bel-air filmes , dessa época datam sem essa aranha” , “betty bomba, a exibicionista” e o “Copacabana mon amour” que tem a desglamourização da imagem carioca de cartão postal como seu principal tema, o que Sganzerla faz com uma ironia certeira.

o cineasta passa por uma fase complicada ficando sem lançar nenhum longa de 1971 até 1977 quando termina o “abismu” filme enigmático feito com recursos próprios, com Norma Bengell, José Mojica Marins, wilson grey e Jorge loredo, o filme passa por uma maratona para poder ser lançado, norma bengell vendeu um apartamento para que fosse concretizada a produção do filme de sganzerla que sofre uma espécie de repressão velada por parte dos exibidores, ele fala sobre isso em 1981 quando o filme já teria conseguido aval da censura mas não conseguia salas de exibição:

o que fazer diante do arbítrio de incompetência treinada? Eu, que não sou burro, sempre soube que existe um boicote contra meus filmes. Falei demais? Saibam que por idealismo nunca calei-me diante do fato de intuir precocemente as coisas. Serei tão importante e ameaçador assim? Se fui considerado dos mais criativos realizadores do País, por que cuidadosamente não deixam ir às telas... ou seja tenho filmes arquivados há dez anos... que tal ? Não seria um boicote armado pelos intelectuais de araque?”

esse não seria o ultimo embate de sganzerla com dificuldades de lançar um trabalho.

a obsessão pessoal de sganzerla pela vinda de Orson Welles ao Brasil em 1942 para gravar “it´s all true (é tudo verdade)” rendeu uma série de trabalhos sobre o tema , a garimpagem sobre isso começa ainda em 1980 e tem como resultado: “nem tudo é verdade” de 1986, “A linguagem de Orson Welles” curta de 1989 e “É Tudo Brasil” de 1997 e o ultimo trabalho de sganzerla, já fragilizado com um tumor no cérebro, “o signo do caos” de 2003 um anti-filme, com questionamentos profundos sobre o fazer cinema no Brasil, com mistura de drama e thriller policial e ainda as ultimas partes sobre welles, foi mais uma maratona árdua para conseguir apoio e lançar o filme depois de pronto. Concretizado o tão esperado lançamento e conseguiu o premio candango de ouro por seu filme no 36° festival de cinema de Brasília mas por estar debilitado não conseguiu ir até a premiação.

Vem a falecer no dia 9 de Janeiro de 2004 devido ao tumor no cerébro e deixando na cultura nacional um vácuo difícil de ser preenchido.

Quem tiver de sapato não sobra

Filmografia de rogério sganzerla


Por
Cleiner Micceno

terça-feira, 14 de abril de 2009

Quem está doente: Adriano ou os outros?


Que sociedade é esta que, quando alguém diz que não estava feliz no meio de tanto treino, tanta pressão, tanta grana, tanta viagem, que prefere voltar à favela onde nasceu e cresceu, compra cerveja e hambúrguer para todo mundo, fica empinando pipa – se considera que está psiquicamente doente e tem que procurar um psiquiatra? Estará doente ele ou os deslumbrados no meio da grana, das mulheres, das drogas, da publicidade, da imprensa, da venda da imagem? Quem precisa mais de apoio psiquiátrico: o Adriano ou o Ronaldinho Gaucho?

O normal é ter, consumir, se apropriar de bens, vender sua imagem como mercadoria, se deslumbrar com a riqueza, a fama, odiar e hostilizar suas origens, se desvincular do Brasil. Esses parecem “normais”. Anormal é alguém renunciar a um contrato milionário com um tipo italiano, primeiro colocado no campeonato de lá.

Normal é ser membro de alguma igreja esquisita, cujo casal de pastores principais foram presos por desvio de fundos. Normal é casar virgem, ser careta, evangélico, bem comportado, responder a todas as solicitações e assinar todos os contratos. Normal é receber uma proposta milionária de um clube inglês dirigida por um sheik, ficar pensando um bom tempo, depois resolver não aceitar e ser elogiado por ter preferido seu clube, quando antes ele ficou avaliando, com a calculadora na mão, se valia a pena trocar um contrato milionário por outro.

Considera-se desequilibrado mental quem recusa um contrato milionário, para viver com bermuda, camiseta e sandália havaiana. Falou à imprensa de todo o mundo, disposta a confissões espetaculares sobre o que havia feito nos três dias em que esteve supostamente desaparecido – quando a imprensa não sabe onde está alguém, está “desaparecido”, chegou-se até a dizer que Adriano teria morrido -, buscando pressioná-lo para que confessasse que era alcoólatra e/ou dependente de drogas, encontrar mulheres espetaculares na jogada.

Falou como ser humano, que singelamente tem a coragem de renunciar às milionárias cifras, eventualmente até pagar multar pela sua ruptura, dizer que “vai dar um tempo”, que não era feliz no que estava fazendo, que reencontrou essa felicidade na favela da sua infância, no meio dos seus amigos e da sua família.

Este comportamento deveria ser considerado humano, normal, equilibrado. Mas numa sociedade em que “não se rasga dinheiro”, em que a fama e a grana são os objetivos máximos a ser alcançados, quem está doente: Adriano ou essa sociedade? Quem ter que ser curada? Quem é normal, quem está feliz?

Emir Sader

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Eric J. Hobsbawm: A síntese viva do século XX

É muito difícil encontrar um intelectual que seja um consenso acima de posições políticas, origem social, credo religioso etc. O britânico Eric J. Hobsbawm chega perto de ser um desses raríssimos casos. O relançamento, pela Companhia das Letras, de O novo século é um convite para revisitar a obra dessa verdadeira lenda viva. No livro, que é a transcrição de uma entrevista concedida por Hobsbawm ao jornalista italiano Antonio Polito em 1999, o historiador britânico apresenta um rico e lúcido prognóstico sobre o mundo às portas do século XXI.

Nascido em Alexandria, no Egito, em 1917, Hobsbawm se tornou um ícone pop por conseguir fazer, como poucos, a ponte entre as áridas pesquisas de ponta produzidas na academia e o grande público. Ao longo de mais de 50 anos de carreira, ele se destacou por ser aquilo que o jargão acadêmico chama de “historiador de síntese”. Ou seja: além das pesquisas que ele mesmo desenvolve, Hobsbawm se tornou um erudito capaz de condensar o resultado de estudos sobre os mais variados temas em obras que apresentam uma visão de conjunto sobre um determinado período histórico.

Ao adotar essas abordagens amplas, apresentou uma leitura da história contemporânea que até hoje orienta os estudos de pesquisadores em todo o mundo. Ele divide a história dos séculos XIX e XX em quatro grandes eras: a das revoluções, a do capital, a dos impérios e a dos extremos.

Não por acaso esses são os títulos dos volumes que compõem a sua “quadrilogia” clássica. Em A era das revoluções ele analisa o período das grandes transformações desencadeadas pela Revolução Francesa no fim do século XVIII, evento fundador do mundo contemporânea; em seguida ele esmiúça o processo de desenvolvimento do capitalismo na Europa entre 1848 e 1875 em A era do capital; na seqüência vem A era dos impérios, obra na qual explica as origens e as conseqüências do imperialismo do final do século XIX e início do XX. A série termina com o seu livro mais famoso, A era dos extremos, no qual faz uma brilhante radiografia do mundo bipolar do século XX, que segundo ele começou em 1914, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, e terminou em 1991, com o colapso do socialismo real e o fim da União Soviética.

Se Hobsbawm tivesse parado por aí já seria o suficiente para colocá-lo na galeria dos grandes historiadores do século XX, ao lado de Lucien Fevbre, Marc Bloch, Jacques Le Goff, E.P. Thompson e tantos outros. O que o diferencia dos demais, no entanto, é que Hobsbawm continua vivo e bastante ativo.

É isso o que torna O novo século tão instigante: das páginas do livro surge um intelectual em sintonia com seu tempo, que não tem medo de usar a história para explicar o mundo em que vivemos hoje. E faz isso com maestria, diga-se de passagem.
Ler O novo século hoje é ainda mais interessante do que na época em que foi lançado originalmente, em 2000. Agora, as “profecias” feitas por Hobsbawm na virada do milênio podem ser confrontadas com as análises que ele mesmo fez já dos primeiros anos do século XXI em seu último livro, Globalização, democracia e terrorismo, publicado também pela Companhia das Letras no final de 2007.

Ao lado de suas obras clássicas, esses dois livros mais recentes fazem de Hobsbawm um sério candidato a se tornar não só um dos maiores historiadores do século XX, mas também do início do século XXI. Mas isso, só a história poderá julgar.



Por Bruno Fiuza